Obama, acompanhado do vice Joe Biden na Casa Branca, anuncia a retomada de relações
diplomáticas com Cuba - Pablo Martinez Monsivais / AP
WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou nesta quarta-feira a reabertura da embaixada americana em Cuba pela primeira vez em mais de 50 anos e pediu ao Congresso para suspender o embargo à ilha. Pouco depois, o porta-voz da Casa Branca Josh Earnest manifestou confiança no processo, ressaltando que há um forte apoio bipartidário para levantar o bloqueio. Ao mesmo tempo do anúncio de Obama, membros da comunidade cubana em Miami protestaram contra a retomada das relações. A reabertura das representações ocorrerá em 20 de julho.
— Americanos e cubanos estão igualmente prontos para avançar. Eu acredito que é hora de o Congresso fazer o mesmo.
No pronunciamento na Casa Branca, o presidente americano disse que está diante de um passo histórico e ressaltou que está pressionando o Congresso para levantar as restrições econômicas e de viagens a Cuba, dizendo: “Não funcionou por 50 anos”. Obama afirmou ainda que as medidas não são apenas simbólicas, mas terão impacto na vida dos cubanos.
— Quando algo não está funcionando, nós devemos e vamos mudar — disse ele. — Acredito firmemente que a melhor maneira de apoiar os nossos valores é através do engajamento. É por isso que já tomamos medidas para permitir viagens, laços comerciais entre os Estados Unidos e Cuba. E vamos continuar a fazê-lo daqui para frente.
Em uma menção à presidente Dilma Rousseff, que está visita nos EUA, Obama citou o apoio de líderes americanos à retomada das relações.
— Desde dezembro, vimos enorme entusiasmo com esta nova aproximação. Líderes nas Américas manifestaram apoio à nossa mudança na política. Você ouviu isso ontem da presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Pesquisas de opinião pública de ambos os nossos países mostram um amplo apoio para este compromisso.
Para o analista político cubano Andy Goméz, o tema dos direitos humanos continua sendo um dos pontos mais delicados nas negociações. Radicado na Flórida desde 1961 e professor emérito da Universidade de Miami, Goméz acredita que alguma concessão por parte do governo Castro deverá ser feita para que a normalização das relações avance.
— A linha-dura não mudou. Quando o Papa (Francisco) estiver em Cuba, em setembro, provavelmente irá exigir do governo algum posicionamento. Será preciso ceder um pouco para melhorar as medidas tomadas até agora no que diz respeito às liberdades de imprensa e de direitos humanos e na questão da libertação de presos políticos — afirmou ao GLOBO.
OBAMA ADVERTE SOBRE LIBERDADE
O presidente deixou claro que os dois países continuarão tendo diferenças sérias, citando o apoio dos EUA "a valores universais como liberdade de expressão e o acesso à informação". Luta contra o terrorismo, resposta a desastres e desenvolvimento foram um dos pontos de interesse em comum destacados por Obama. Segundo ele, os Estados Unidos vão encontrar novas formas de cooperar com Cuba.
— E não nos hesitares em falar quando vermos ações que contradizem esses valores — advertiu.
Um pouco antes, em Havana, a televisão cubana informou que o presidente Raúl Castro enviou uma carta a Obama na qual confirmava a intenção de reestabeler as relações diplomáticas, cortadas em 1961.
“A República de Cuba decidiu reestabelecer relações diplomáticas com os Estados Unidos e abrir missões diplomáticas permanentes em nossos respectivos países”, disse Castro no documento, segundo a televisão cubana.
A retirada do embargo é uma das condições exigidas pelo governo cubano para retomar a relação. Além disso, Havana pede que a base militar de Guantanamo deve voltar para a soberania cubana.
Em Viena, o secretário de Estado americano, John Kerry afirmou que “o engajamento é melhor do que se apegar ao passado”. Kerry vai participar da cerimônia em Havana para marcar o momento histórico e hastear a bandeira americana sobre a embaixada em Cuba.
O anúncio veio acompanhado de críticas de republicanos que buscam a nomeação do partido para a disputa presidencial de 2016. O ex-governador da Flórida e um dos pré-candidatos às eleições Jeb Bush foi um dos primeiros a se manifestar.
— Eu me oponho a decisão de abraçar ainda mais o regime de Castro, abrindo uma embaixada em Havana — disse ele, que considera que a medida iria "legitimar a repressão em Cuba", num movimento contrário à causa da liberdade e da democracia.
Na mesma linha, o senador pela Flórida Marco Rubio acusou o governo dos EUA de oferecer concessões durante o período de negociações com Cuba, enquanto o regime de Raúl Castro "intensifica a repressão contra o povo cubano". Por sua vez, o líder da Câmara dos Representantes, John Boehner, emitiu um comunicado no qual criticou o presidente por "dar o sonho de legitimidade aos Castro".
"O governo Obama está dando aos Castro um sonho de toda a vida da legitimidade sem conseguir nada para o povo cubano, que é oprimido por esta brutal ditadura comunista. Como disse anteriormente, as relações com o regime não deveriam ser revisitados, nem normalizados, até que os cubanos aproveitem a liberdade. Nenhum segundo antes disso."
— Era um tema pendente e esperado. Mas o anúncio, com um discurso nacionalista que fala de soberania e de não ingerência, mostra que o governo está colocando limitações a uma abertura maior. As coisas estão mudando muito lentamente, numa velocidade do século XX — disse ao GLOBO, por telefone, a dissidente Miriam Celaya. — De qualquer maneira, toda abertura num sistema totalitário, como o de Cuba, é positiva. É positivo haver essa fissura.
TROCA HISTÓRICA DE CARTAS
Diplomata-chefe americano, Jeffrey DeLaurentis, aperta mão do ministro das Relações
Exteriores cubano, Marcelino Medina - ADALBERTO ROQUE / AFP
O anúncio foi feito após uma carta de Obama ser entregue a Raúl Castro pelo diplomata-chefe americano, Jeffrey DeLaurentis, ao ministro das Relações Exteriores cubano, Marcelino Medina. O gesto americano foi retribuído pelo chefe da Repartição de Interesses de Cuba em Washington, Jose Ramon Rodriguez Cabañas, que entregou ao número dois do Departamento de Estado dos EUA, Anthony Blinken, uma carta de Raúl para Obama com mensagem semelhante.
Desde 1977, os EUA e Cuba têm operado missões diplomáticas chamadas “seções de interesses” nas capitais de cada um sob a proteção legal da Suíça. No entanto, eles não gozam do mesmo estatuto que as embaixadas completas.
As relações entre os dois países tinham sido congeladas desde 1961, quando o governo americano rompeu ligações e impôs um embargo comercial com a ilha comunista. Mas, em dezembro de 2014, EUA e Cuba concordaram em normalizar os laços. Cinco meses depois, em abril, os dois líderes dos países se encontraram na VII Cúpula das Américas e mantiveram conversas históricas. Na ocasião, Obama e Castro se comprometerem com o pleno restabelecimento das relações bilaterais e o diálogo político construtivo, no que foi classificado por ambos de marco de uma nova era para a região.
No entanto, questões importantes em relação à retomada dos laços permanecem sem resolução. Entre elas: discussões sobre direitos humanos; pedidos de compensação por propriedades americanas confiscadas em Havana e danos a Cuba pelo embargo; e o delicado tema de fugitivos americanos abrigados em Havana.
RELEMBRE
Um triciclo em Havana leva uma bandeira americana no mesmo dia do anúncio de Obama
sobre reabertura da embaixada em Cuba - YAMIL LAGE / AFP
O processo de descongelamento entre as relações dos dois países foi iniciado com negociações secretas e anunciada em dezembro do ano passado. Em 17 de dezembro, os dois países afirmaram que a reaproximação era uma maneira de mudar a abordagem de décadas entre os países. No mesmo dia, prisioneiros foram trocados, e foi acordado que outros presos políticos seriam libertados.
Obama adotou medidas executivas para afrouxar as sanções econômicas que pressionam a economia cubana. E em maio, os EUA removeram Cuba da lista da lista americana de países que apoiam o terrorismo, abrindo espaço para o governo cubano tomar financiamentos no exterior e expandir negócios e investimentos.
RELAÇÕES ROMPIDAS
Os EUA romperam relações com Cuba depois de Fidel Castro e seu irmão Raul liderarem uma revolução derrubar apoiado pelos Estados Unidos presidente Fulgencio Batista e estabelecerem um estado socialista revolucionário com laços estreitos com a União Soviética.
Após uma série de divergências e confrontos diplomáticos após a Revolução Cubana, os países se viram diante de uma grave crise quando uma força apoiada pela CIA tentou invadir a ilha em 1961, no episódio da Baía dos Porcos, e o presidente Dwight Eisenhower anunciou o fim das relações diplomáticas. Um ano depois, Cuba decidiu instalar mísseis soviéticos em seu território, dando início à Crise dos Mísseis.
O então presidente John F. Kennedy decidiu impor um embargo econômico e comercial a Havana, que somente aumentou desde então. Sem representação diplomática, as missões de cada país são atualmente intermediadas por embaixadas da Suíça.
Fonte: O Globo