O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), afirma que a política externa do PT abandonou marcas históricas do Itamaraty: a isenção, a imparcialidade e a diplomacia com as nações do mundo.
Crítico contumaz do governo Dilma, Aloysio menciona “episódios emblemáticos” dos desmandos da política externa: a suspensão do Paraguai, a entrada da Venezuela no Mercosul e a omissão no caso do asilo ao senador boliviano Roger Pinto Molina, perseguido pelo presidente Evo Morales. Segundo ele, o PT coloca suas obsessões ideológicas acima dos interesses nacionais.
Aloysio, considerado um político experimentado, reconhece o esforço do ministro Mauro Vieira Lima no sentido de correção de rumos, mas alerta para questões emergenciais, como posicionamento do Brasil em relação à crise política e econômica na Venezuela.
Em entrevista exclusiva do Diário do Poder, o senador lamenta a pindaíba das embaixadas brasileiras, que sofrem com atraso em ajuda de custo para pagamento do aluguel dos funcionários que trabalham nas embaixadas e consulados e avisos de despejo de postos diplomáticos.
Por que a demora para sabatinar o novo embaixador do Brasil na Bolívia?
No dia 3 de setembro - depois de pouco mais de dois anos da chegada da mensagem presidencial aqui ao Senado -, vamos finalmente sabatinar Raymundo Santos Rocha Magno, indicado para ser nosso novo embaixador em La Paz. A mensagem com sua indicação foi encaminhada pelo Palácio do Planalto dias após o episódio da tumultuada retirada do senador boliviano Roger Pinto Molina, que durante 453 dias esteve confinado em sala daquela repartição diplomática, sem que a Bolívia tivesse se dignado a conceder o necessário salvo-conduto para sua saída. Na ocasião, o senador Jarbas Vasconcelos entendeu que o Brasil não deveria nomear um novo embaixador àquele país até que o Itamaraty transmitisse ao Senado esclarecimentos completos e convincentes sobre o episódio. Percebemos, os senadores, que nossa chancelaria omitia informações relevantes sobre a incompreensível subserviência do governo brasileiro a reivindicações tão disparatadas quanto inaceitáveis do governo boliviano. O requerimento do senador Jarbas Vasconcelos foi aprovado pela Comissão, e assim foi mantido até que o Itamaraty se dignasse a prestar as informações solicitadas.
O senhor acredita que ele atuará com a isenção que o cargo pede?
Não temos dúvida de que o embaixador Raymundo Santos Rocha Magno é um excelente profissional. Mas não custa lembrar que as relações do Brasil com a Bolívia não dependem só da qualidade de nosso representante diplomático, mas também da qualidade do apoio e do respaldo político que lhe serão oferecidos para o exercício de suas funções.
Veio tardio, mas o que dizer do asilo político ao senador Pinto Molina?
Felizmente já ficou para o passado esse episódio, que a meu ver impôs uma mácula na história diplomática brasileira. No caso, o Brasil só teve um momento de altivez, que foi quando decidiu conceder o asilo ao senador boliviano. A partir daí, viramos pouco mais do que um joguete nas mãos do regime do presidente Evo Morales, nos curvando de maneira desnecessária e lamentável às suas demandas disparatadas. É inaceitável que tenhamos ficado mudos, impassíveis, vergonhosamente imóveis diante da inédita recusa da Bolívia de conceder o salvo-conduto ao senador asilado, em flagrante desrespeitos à letra e ao espírito dos tratados internacionais sobre o assunto.
O governo brasileiro humilha as embaixadas cortando recursos. O que o senhor acha a respeito?
Eu sou favorável a que tenhamos uma ampla rede de embaixadas e consulados e um corpo de funcionários qualificados. A expansão talvez tenha ocorrido de forma atabalhoada, aliás, como ocorreu em muitas outras áreas do Governo. Mas, em termos gerais, o Itamaraty presta um excelente serviço ao País e nossa estrutura de postos é adequada. Acho vergonhosa a situação atual, em que embaixadas estão sofrendo ações de despejo ou corte de água e luz por falta de pagamento. Nem auxílio-moradia os funcionários estão recebendo! A gente tem uma visão idealizada do que é a vida de um funcionário público brasileiro no exterior. Pense no que significa levar a família de um continente para outro a cada três anos. Aceitei conversar com os representantes das entidades e associações de servidores do Itamaraty para ouvir as preocupações dessa categoria.
O que o Congresso pode fazer para impedir esses abusos com as embaixadas?
Qualquer órgão do governo tem que provar à sociedade brasileira que é uma instituição útil, necessária para o crescimento e a prosperidade do País. O Itamaraty presta um inestimável serviço ao País, e isso é reconhecido pela sociedade há muitos anos. É papel do Congresso fiscalizar as políticas públicas. O Senado tem sido bastante solidário com a penúria enfrentada pelo Itamaraty, mesmo sendo crítico a posições adotadas pelo governo em algumas questões. Refiro-me, em especial, ao relacionamento com alguns países vizinhos em que o Brasil tem colocado acima dos reais interesses nacionais as obsessões ideológicas petistas com países mal chamados de bolivarianos. Em alguns casos, levou o Brasil a situações francamente ridículas, como a transformação de nossa embaixada em Tegucigalpa no palco de um carnaval farsesco.
O senhor concorda com a avaliação de especialistas de que nossa política externa anda desmoralizada? Por que esse fenômeno acontece?
Na formulação e na execução de nossa política externa nos últimos anos, foi deixado de lado o interesse do Estado brasileiro que sempre foi a marca da ação do Itamaraty. Isso ficou claro em alguns episódios emblemáticos, como a suspensão do Paraguai, a entrada da Venezuela no Mercosul e a omissão do Governo brasileiro no caso do asilo ao Senador Roger Pinto Molina. Acho que o Ministro Mauro Vieira está tentando fazer uma correção de rumos. Mas há questões urgentes, em que essa mudança tem que ser mais rápida. É o caso da nossa postura em relação à crise política e econômica na Venezuela. Nossa diplomacia agiu em momentos críticos da trajetória da Venezuela, que é um país importante para nós. No governo FHC, saímos em defesa da democracia quando Hugo Chávez sofreu um golpe em abril de 2002. Durante o Governo Lula, o Brasil teve um papel fundamental no monitoramento do referendo revogatório de 2004. Hoje estamos muito acanhados diante do autoritarismo do Governo Maduro. É preciso cobrar da Venezuela que aceite monitoramento das eleições legislativas marcadas para dezembro. Não basta mandar uma missão de observadores na véspera. O Brasil deve cobrar que essas eleições ocorram em ambiente institucional de liberdade e equidade e sob monitoramento, conforme, aliás, declarou o Ministro Mauro Vieira quando esteve no Senado.Outra questão que precisa ser repensada é o Mercosul. Como pode um país que quer integrar-se às cadeias globais de valor permanecer atrelado a um bloco econômico que reluta participar de negociações comerciais importantes, e muitas vezes por questões meramente ideológicas. Não há respostas fáceis, mas precisamos urgentemente repensar o Mercosul.
Não falta maior rigor na sabatina dos diplomatas, que impeçam ideologias partidárias acima de interesses da nação?
Nós estamos aperfeiçoando o processo, já estamos exigindo relatório de gestão do antecessor na embaixada para qual o diplomata tem sido sabatinado, o que tem sido importante para os trabalhos na Comissão de Relações Exteriores. Hoje percebo que os diplomatas indicados para chefias de Postos têm uma percepção mais clara de que são representantes do Estado brasileiro e não de uma ou outra linha partidária. Percebo, em termos gerais, que o Itamaraty está mais atento aos debates no Congresso Nacional. Inversamente, os parlamentares estão mais interessados em questões internacionais e cobram mais do Governo nessa área.